domingo, maio 20, 2012

Queres? (de José Luís Peixoto)

Queres? (No ar, a interrogação vibra como uma onda invisível.)

Queres? (Pelo silêncio, não sei quem és, não sei a razão em mim que te deseja.)

Queres? (É quase de manhã e poderíamos esquecer tudo, fazer as malas, dormir finalmente.)

Queres? (Uma porta talvez aberta para talvez um abismo ou um deus.)

Quero. (Já não podemos fugir aos nossos olhos inimagináveis, inalcançável é o cansaço.)

Quero. (A luz do quarto continua acessa sobre a luz da manhã, tornamo-nos artificiais.)

Quero. (Os nossos corpos, claro, sempre os nossos corpos, sempre apenas os nossos únicos corpos.)

Quero. (Tarde demais.)

José Luís Peixoto, in Gaveta de Papéis.